sábado, 2 de setembro de 2017


Nunca me enganou. Meu pai nunca me enganou. A fachada de sábio, experiente e prevenido. Mas o que realmente fazia sentido pra ele era o trabalho. Também a cerveja e o noticiário. Ruim por dentro, falso por fora. Sentia-se bem apenas apenas na posição de provedor, de Deus. Tentava saber de tudo apesar de não ler um livro há décadas e de consumir com voracidade a merda do jornalismo nacional. Achava que o álcool tonificava seu pensamento, papos bêbados sobre sua vida e a dos outros com a profundidade de uma bacia. Nele não havia brecha para nada que fosse diferente ou sensível. Broco. A ressalva era a competência na contabilidade, o cargo de funcionário público, as responsabilidades e as gratificações. Um homem que seja bom no trabalho pode ser ruim em tudo. E ele era. Cinco dias depois de um domingo dos pais abandonou minha mãe. Jogou uma quantia idiota sobre ela e nenhuma palavra. A calça abaixo da barriga avantajada, a face de surto e duas malas para a puta que o pariu. Minha mãe dopada urrava no quarto. Eu só queria que o mundo tivesse consciência da merda que ele era. Naquele dia minha juventude acabou.

Nenhum comentário:

Postar um comentário