terça-feira, 2 de junho de 2015

De Livia VilaBela,



Esses dias, eu acordei lembrando de uma família que eu gostava muito quando era pequena. Hoje no ônibus encontrei com um deles e soube que a família não está nada bem, e chega me deu um aperto no coração. Desde que eu tenho 1 ano e meio, por aí, eu moro perto do mercado da Encruzilhada. Minha mãe tem um bar por perto e, todo dia, está lá, é bastante conhecida por todos. Minha mãe comprava fruta a uma família cujos membros eram 4 meninos, o pai e a mãe. Eu tinha quase a mesma idade que dois deles, e estes, junto com os outros, eram colocados pra sair vendendo fruta por todo canto. Minha mãe, que embora seja um poço de grosseria, não é sem coração, dizia ao pai deles que ia arrumar um serviço lá pros meninos fazerem, ou que tinha gente querendo fruta pro lado de lá de casa, e deixava os meninos brincando comigo o dia inteiro, só iam embora quando o mercado fechava. O mais velho me levava e me buscava na escola, sempre de bom humor. Os dois com a idade mais próximas da minha, me ensinavam todas as pilantragem de moleque: fazer pipa, jogar bola, um deles desenhava muito bem, um pedia pra eu ensinar ele a melhorar a leitura porque ele achava bonito eu lendo e escrevendo, e o outro era um pouquinho mais velho, fazia mais o papel de cuidar da gente. Até que, um dia, um dos irmãos foi assassinado. Apareceu morto, alguém matou, do nada. Eu só via o mais velho que ia me pegar na escola, agora triste, não sabia me explicar o que tinha acontecido com o irmão. Os dois mais novos pararam de ir lá em casa, o pai deles havia proibido, a família tinha que se unir, com menos um agora, ficava mais difícil trabalhar direito, afinal, um deles tinha lá seus 9 anos, o outro tinha uns 13 e foi convocado pra tomar o lugar do irmão morto, de 16, e o mais velho com 22. Hoje, no ônibus, encontrei o mais velho. Ele me disse que os dois estavam presos por assalto. O mais velho foi criado com mainha desde dos 15 anos, conseguiu ainda fazer uns cursos técnicos, tentar cuidar dos irmãos, que deixaram de estudar pra ajudar ao pai, e que deixaram de frequentar minha a casa também. A cada exemplo desses, eu tenho mais aversão ao povo que chega ao raciocínio da diminuição da maioridade penal ou que bandido bom é bandido morto, porque quem tem o mínimo de contato com gente que vive em situações como essas, sabe que eles nao vivem, eles sobrevivem, e é estranho sim quando um dar certo. O mais velho está trabalhando na fabrica da Vitarella, mas ralou demais pra chegar ali, comeu muita merda, minha mãe o salvou de muita briga com o pai, porque o menino queria ir pra escola ou tinha tarefa pra fazer, e o pai botava pra trabalhar. Gostava de quadrilha também, mas não podia ensaiar porque, além de ser coisa de viado, não ia ter dinheiro pra roupa, nem tempo, nem dinheiro pra ir ensaiar. Eu não consigo entender essa dificuldade pra entender que meritocracia não existe, que eu, Lívia VilaBela, criança da mesma idade do menino, estou numa faculdade e ele tá lá, preso e com muito mais talentos do que eu. E ainda me dizem que as teorias sociais são totalmente a parte da sociedade, que é doutrinação comunista. Pelo amor de Deus, coloquem a mão na consciência, prestem o mínimo de atenção ao seu redor. Está tudo cagado, é a lei do cão, irmãozinho.