quarta-feira, 25 de março de 2015

Apologia à Barata


De Chompski TernoeDuque,

A verdade absoluta e incontestável que absorvemos desde o jardim de infância que prega a superioridade do ser humano por tudo que construímos (destruímos) e por estarmos no topo da cadeia alimentar vai ser posta, agora neste texto, em dúvida e passível de contestação.
A suposta superioridade humana talvez seja explicada pelos antropocêntricos egoístas baseada em explicações científicas que provam a habilidade do nosso cérebro altamente desenvolvido realizar tarefas complexas, pela capacidade de modificar a natureza e manusear armas criadas para assassinatos brutais graças aos tão importantes polegares opositores. Porém, nós do coletivo Gato Dirliptia, colocamos esta certeza secular na berlinda fazendo apologia à barata, aquele inseto asqueroso e repulsivo que vive nos bueiros e nos esgotos, no subterrâneo inóspito, e assustam senhoras e senhores de classe em suas salas de jantar. 
A unidade de medida que coloca o ser humano no alto posto da superioridade das espécies é medida pela capacidade de assassinato que possui e que é visível nas sangrias dos mercados.  Entretanto, contradizendo a certeza, nós abordamos que a superioridade é medida pela resistência à morte, adaptabilidade e, consequentemente, perpetuação da espécie. É certo que o homem (ser) é a espécie mais homicida do planeta e que tem facilidade na prática da subjugação das outras espécies. Porém homicídios e exploração nunca foram qualidades positivas
A barata é extraordinariamente adaptável a qualquer ambiente e nestes pontos básicos (resistência à morte, adaptabilidade e perpetuação da espécie) ela reina. Estes insetos repulsivos podem viver uma semana sem beber água e um mês sem se alimentar; suas habilidades para a sobrevivência são inúmeras. As baratas pouco tiveram variações morfológicas por serem seres de alta capacidade de adaptação às mudanças ambientais, são praticamente idênticas às suas ancestrais. Conseguem resistir ao sistema urbano através de uma série de hábitos que as protegem da hostilidade do homem moderno e seu habitat natural, a cidade. Aproveitam as horas que menos circulam seus principais assassinos, sapatos lustrosos e chinelas sujas enquanto que no período diurno descansam cerca de 75% aproveitando o dia, a luz, a sujeira, as pernas das matronas e as bocas dos beberrões. As baratas urbanas são mais aptas às metrópoles que nós que a criamos.Mas o que mais surpreende é a resistência vinte vezes mais potente à radiação que o homem, seu próprio criador e superior o bastante para aniquilar a sua mesma espécie e crenças diferentes. Não nos matamos por alimento, por superpopulação ou por ausência de território, nos matamos por dinheiro, invenção superior nossa, por crenças, nos matamos pela desigualdade que estamos imersos. Nós nos exploramos. Corte a cabeça de um humano e antes dela cair no chão este mesmo humano, bípede, polegar opositor, crença, cérebro e língua já estará morto. Uma barata se tem sua cabeça cortada consegue lutar contra sua morte inerente durante cinco dias, não é à toa que consiga coexistir no mesmo ambiente que o humano e existir em lugares hostis ao ser superior criador das universidades cheias de antropocentrismos de ismos. Nós fundamos o baratocentrismo! Fazemos apologia à barata. O poder da existência da barata ultrapassa ambientes hostis e nocivos ao homem. A barata descansa 75% do seu dia enquanto o homem levanta às 6 da manhã veste terno, pega ônibus, enfrenta trânsito, leva porrada da polícia, sua, vende cachorro quente, morre de bala perdida, se estressa, trabalha, tem seu tempo roubado, vai à igreja. A barata vive pra vida, o homem pro trabalho, pra exploração. Elas conseguem produzir seu trabalho em menos tempo e, não bastando, seus frutos duram por períodos muito mais longos. Não há revolução industrial que consiga resolver este nosso problema, não há revolução industrial que pare de roubar o nosso tempo.
É claro que as baratas são categorizadas pragas urbanas, estes insetinhos peludinhos são nossos rivais na guerra das espécies, são uma ameaça à humanidade, elas sobem em nossas paredes e nos fazem ter sonhos horríveis. Sendo nossa inimiga ela sobrevive no subterrâneo, nos bueiros e nós córregos das capitais de consumo se alimentando do nosso consumo, do nosso lixo, do que nós achamos que é lixo, do que nós não queremos. As senhoras e senhores de classe odeiam as baratas, no entanto, parecem não terem problemas em alimentá-las.

Sejamos pragas!

quinta-feira, 12 de março de 2015

Cult, distinção que se compra.


As noites recifenses sofrem com a camarotização. Perceba a escalada de bares e festas, dotados de uma suposta cultura alternativa, que cobram uma grana. Pelo quê? Cerveja? Não. Comida? Não. Música? Não. Nem de longe, essas três coisas valem o quê se cobra. Na verdade, paga-se pelo atestado de gente diferenciada - uma vez, eu tive o seguinte sonho: estava na UFPE, percorrendo a burocracia interminável, procurando o burocrata responsável pelo meu atestado de pureza ideológica -, pois ser cult é uma distinção que se compra. Sendo assim, extrapola a mera distinção. É discriminação social. Vamos lá: Qual é a proporção de negr@s nesses espaços? E a de pobres? Mínimas. Será que isso quer dizer algo comprometedor? Claro. Por vezes, eu tenho a impressão de que um dos traços cults mais significativos é a capacidade de ignorar a escrotice dos ambientes em que estão inseridos, a tal da postura blasé. Nesse sentido, a melhor tradução para essa palavra seria DESPREZO. Não adianta, uma burguesia cheia de ressalvas sobre si, mas que só reforça seus privilégios, não é melhor que seus pares. 

  





quarta-feira, 11 de março de 2015

Hoje no ônibus


Hoje no ônibus, eu escutei: Que absurdo é esse?!
Depois dessa explosão, percebi que era um protesto.
Pensei: nada interessa, além da previsibilidade, à maioria que tem pressa.
Surgiu a vontade de dizer ao apressado: Brother, a naturalização do cotidiano é
uma armadilha. 
Isso faria algum sentido? Nenhum, acredito.  
Vejam, a confiança nessas palavras é só uma demonstração da minha fragilidade frente ao está, ao estabelecido, à urgência diária.
E, de qualquer maneira, palavras vêm servindo tão pouco.
No final das contas, permaneceu um pensamento sem freio e sem perspectiva: a torcida fervorosa, ainda que silenciosa, pela proliferação dos transtornos.  
 
Fui seguir com o meu cotidiano.