quinta-feira, 8 de janeiro de 2015

Passe Livre?!



 O governador mal assumiu o seu mandato, e já é certa a intervenção do estado para o aumento da passagem. O sentimento de decepção, frustração e/ou traição diante das suas promessas de campanha para o transporte público, que incluíam a manutenção da tarifa e a implementação do bilhete único, não me parecem razoáveis. As campanhas eleitorais estão longe de oferecerem garantias ao eleitor, são campanhas publicitárias, das quais as propostas do programa de governo são meras peças. Seria Paulo Câmara eleito sem a apelação em torno da morte de Eduardo Campos? O fato dessa possibilidade, muitas vezes, ser tida por mais adequada à explicação do mandato já depõe contra a experiência democrática das eleições. A campanha, as promessas e os santinhos artificialmente envelhecidos de Eduardo passaram. A realidade é mais uma manifestação da íntima associação da máfia do transporte com as elites políticas, nesse momento, manifestada em mais um mandato do PSB. Seria Paulo candidato inimigo do Paulo governador? Não me parece, já que a imagem dos candidatos se vinculam à imagem dos mandatários, e esse é um paradigma da relação dos governantes com as populações. O quê me parece, é que vemos os candidatos governarem, pois a ilusão de competência será permanentemente alimentada com o orçamento da publicidade institucional. Vejamos Geraldo Júlio, um dos melhores prefeitos do Brasil; Mendonça Filho, um dos parlamentares mais atuantes do Brasil; Paulo Câmara, vocação de estadista. Na verdade, continuamos sem saber dos meandros das articulações políticas e econômicas necessárias às atividades de governo. Chega. Vamos falar de Passe Livre. Depois das Jornadas de Junho, os estados estão se habituando a absorverem parcialmente as pautas do Movimento Passe Livre, de modo a distorcê-las. Não é uma medida razoável quando o Estado promete implementar “passe livre” para os alunos das escolas estaduais? Ou quando município faz os mesmo com estudantes das escolas municipais? São. No entanto, a perspectiva de passe livre vislumbra a negação de um transporte público simbolizado pela catraca. E o que os estados junto às empresas fazem com as catracas? Aperfeiçoam. Botões, leitores de cartão e até de digital, e isso é só o começo. Enquanto isso, a lógica tarifária, a máfia dos transportes, a exploração dos metroviários, o controle dos fluxos e a humilhação dos passageiros se aprofundam. Passe Livre é uma catraca em chamas, precedido por uma cidade em chamas. Essa política pública está reservada à ação direta e à desobediência civil, antíteses dos slogans institucionais. Por hora, temos que desqualificar as manobras do governo, a reputação dos governantes e testá-los. As Jornadas de luta contra os transportes mal começaram. Abraços, abençoados.

terça-feira, 6 de janeiro de 2015

A primeira plenária do ano


A agenda de protestos, no Recife, se inicia, mais uma vez, com a luta contra as tarifas de ônibus. A falta de uma solução definitiva para o abuso das passagens cobra a sua fatura anualmente. Na maioria das vezes, o aumento é facilmente implementado. Em raríssimas ocasiões, o aumento é barrado ou a tarifa recua. Em 2013, Eduardo Campos aproveitou a vitrine dos protestos e reduziu a passagem. Em 2005, a ação direta dos estudantes secundaristas forçou o seu congelamento. Os fatos e os mitos de 2005 ainda reverberam na velha guarda de indignados, que faz questão de narrá-los para as gerações mais novas. De qualquer forma, os fatos, os mitos, as conjunturas e as perspectivas das lutas contra as passagens sempre se apresentam, sobretudo, envolvidos por cansaço, desesperança e desesperada pulsão, que resulta em cervejas nas madrugadas decadentes do centro e em conversações políticas densas e confusas. Ocasionalmente, em perigosas e desnecessárias exposições diante das câmeras e dos militares. Vamos seguir. A pauta do transporte público é cada vez mais sensível. As manifestações de junho alçaram a bandeira por passe livre, deslocando-a de uma abstração irracional, diante dos dogmas neoliberais, e posicionando-a no âmbito do direito à cidade. O grande mérito da bandeira do passe livre é a capacidade de reunir uma coleção de sofrimentos infrigidos às populações urbanas - os ônibus lotados, os deslocamentos intermináveis, os campos de concentração de integração, a desigualdade entre trabalhadores e patrões, a associação das empresas com as elites políticas, a carrocracia e o controle dos fluxos – ao estabelecimento de uma pauta objetiva, simples e radical. Tal mérito está fundamentado na perspectiva de atuação política permamente, popular e autônoma dos MPL's distribuídos pelo país, e é esse tipo de leitura e atuação política que faltam em Recife. A Frente de Luta pelo Transporte Público, uma conjunção de partidos de esquerda, insiste em se disfarçar de MPL, na estética, nos discursos e na convocação de plenárias abertas, mas é traída pela escassez das aptidões dos seus líderes, de modo geral, versados apenas na retórica, na demagogia e na falsa mobilização dos rebanhos políticos. Não sabem diferenciar passe livre de tarifa zero, falam em não dialogar com o estado – como se soubessem fazer outra coisa - mas condenam os “badernistas”, erram até nos jargões que repetem há vários anos. O apetite deles está voltado para os cargos políticos subalternos, para o prestígio entre os “companheiros”, para o poder miserável de canalizar a revolta para objetivos mesquinhos. Na última plenária, a primeira do ano, o quê se viu foi a formação de um palanque para a televisão com os mesmos líderes das seis, sete ou oito manifestações anteriores contra a passagem, prometendo novamente para as câmeras o que nunca cumpriram. Os partidos de esquerda nutrem uma relação pretensiosa com a história, acham que os seus atos guardam uma relação íntima com o inevitável avanço da humanidade, mas a verdade é que se reveste de glória as velhas e podres fórmulas. A luta contra a tarifa só deixará de ser uma acontecimento insistente quando a sua organização estiver estabilizada em um organismo autônomo, permanente e focado, que desentranhe a tarifa dos nossos rins. Nesse ano, diante da provável repetição de um cenário político falido, torço para que as manifestações saiam do controle, escapem da tutela, sejam descentralizadas, incompreensíveis e aterrorizantes para as leituras viciadas das instituições políticas. Vamos acompanhar.

O primeiro ato será na sexta-feira(09.01), dia em que o “Conselho pra aumentar a tarifa” vai se reunir e aumentar a tarifa, sete e meia da manhã. Amém?

Dois anos da partida de Sama. Onde estiver, saudações!


Panegírico de Sama, o último príncipe africano.

 Eu só quero chocolate

Raimundo Matias é Samambaia. Samambaia é Sama. Sama é saudade. Em Serra Talhada, a elegância e a simpatia geram o último príncipe africano. Uma lenda. Alimenta-se de sol e de água. Um sujeito em forma de planta. Irretocável. Ao nos afastarmos de qualquer temperamento sórdido é que nos aproximamos dele. Sama nunca foi menino, nunca foi Zé. Não é muito de comer. Fica cheio com menos de uma maça. No acampamento, sua comida é queijo do reino. Seu almoço é um pedaço de chocolate. Pingo de Ouro? Nunca ouvu falar. Não bebe, não fuma, paradoxos numa sociedade sórdida, na qual o nosso príncipe seria necessariamente fartura de álcool, de fumo, de comida. Sama nunca foi víscera, permanece fibra.

Isso é jogador, Zé¿!

Sama é Sport. Sama é Balotelli. ?Por que sempre eu¿? A independência e a competência de Balotelli encantam o nosso príncipe. No torneio Jorge Ventura, Sama é do Malinowski HC. É o joga fácil, é o camisa 10. Não sabia joga nada. Entre quedas performáticas, defesas sem explicação e frangueiros memoráveis dava um show. Sem perder a pose, meias e sapatos brilhavam de tão brancos. Samambaia era radical com o alvo. Cansa fácil e joga mal. Mas não importa. Ele sabe que a beleza do futebol não é o desempenho, é a polêmica. Robinho é melhor que Messi! Uma das brabas do Sama. Consegue assim seu objetivo, horas de provocação e galhofa. Cartão vermelho para o tédio.

É o carisma.

O estilo de Sama era absoluto entre tantgos estilos duvidosos. Elegância é coerência. Qual é a coerência do echarpe? Sama. A do óculos torto de lentes verdes? Sama. Dos sapatos pendurados na bolsa? Sama. Do caderno guardado no bolso da bermuda? Sama. Contra a afetação estética ele impõem o carisma. O sorriso é a chave de tudo. Falta o riso dele. Simplicidade e autonomia, elementos raros e eficientes contra os atrasos da vida. Show!!!!

Saudades, medo, saudades, medo, saudades.


(O tempo passou e as circunstâncias da morte de Samambaia nunca foram esclarecidas. A perspectiva inicial de crime racial nunca foi comprovada. A avidez em torno dessa tese, muito por conta dele ser universitário, não se sustentou diante da não-obviedade dos fatos. Foram muitos os boatos, mas apenas boatos. Tal qual a vida de Samambaia, a sua morte permanece um mistério. É possível que agora ele esteja envergando outros trejeitos, pintado com outras cores, inventado outras expressões, e permaneça entre nós, talvez com outro nome, em outro grupo, nos observando de longe)