sexta-feira, 13 de novembro de 2015

Quando cair o teu inimigo, não te alegres, pois, em instantes, aparecerá outro.


Cunha é um arrivista que atualmente protagoniza o congresso. No final das contas, sua prática não difere muito dos outros colegas da bancada conservadora, seja da bala, do estupro, do agronegócio, dos planos de saúde, do capital financeiro, da internação, ou do extrativismo, em diferentes partidos, situação e posição. Essas bancadas não são homogêneas, produzem diferentes interesses, no momento, Cunha faz um jogo insustentável, pois usa da presidência apenas para manter o cargo, provocando e confundindo o governo e os conservadores mais radicais. Isso desperta a desconfiança de ambos os lados, e esses malabarismos vão se aproximando do seu limite, deixando de enganarem as lideranças políticas e ludibriarem a multidão. Qual é o desejo do atual governo? Ter um congresso estável que receba sem ruído os cortes no orçamento, a flexibilização das normas que regem a relação entre o capital e o trabalho, ou entre o capital e os povos tradicionais, ou seja, a cartilha neoliberal. Cunha barganha com isso, não porque ele discorde, longe disso, mas ele sabe que dificultar as atividades do governo o torna mais poderoso. Qual é o desejo dos conservadores mais radicais? A deposição de Dilma, o fim do governo do PT e a tomada do executivo. Cunha barganha com isso, não porque ele discorde, longe disso, mas ele sabe que estar à frente desses interesses o torna mais poderoso. Daí começa a proliferar o número de inimigos dentro e fora do congresso. Como isso poderia refletir nos movimentos sociais? Na percepção de que o cerco está se fechando, pois essa batalha em torno de Cunha não traz ganhos para as minorias sociais, o poder dele advém justamente da mediação que ele faz entre os interesses conservadores. Quando a sua figura sair de cena, parecerá uma vitória da esquerda, mas será uma vitória dos carrascos mais comprometidos com as suas próprias ideias, e os projetos conservadores, atualmente na paternidade de Cunha, também vão encontrar outros pais mais comprometidos, mais crentes na ideologia perversa que os move. Vale salientar que o lastro desse projetos não é Cunha, são milhões de eleitores, milhares de políticos e centenas de instituições. Infelizmente muitos movimentos sociais se propõem novamente a defender um governo que os utiliza apenas como bucha de canhão, porque nem mesmo a bancada governista faz uma oposição explícita ao presidente do congresso, preferindo articular nos bastidores os seus movimentos de base para atacá-lo, ainda que, escutá-los seja um aborrecimento. Mas se a ideia do governo para a saída de Cunha é a estabilização do congresso para a receita neoliberal, que função estaria cumprindo os movimentos que estão na rua?  E depois que Cunha cair o que acontecerá? No momento, não parece importante. Como ficam os militantes? Tendem a repetir o mantra dos treze anos do PT: o governo não é homogêneo, existem setores, avanços, disputas, contradições... Fica a pergunta: o que é homogêneo na política? Nada. A questão é saber até quando o Executivo será o dirigente dos grandes movimentos sociais.


quinta-feira, 12 de novembro de 2015

Seráfico


O sol vai se escondendo atrás de casarios antigos, formando um horizonte temporário por cima de bairros decadentes, arruinados justamente pela falta de horizonte tão habitual às grandes cidades. Estão salvas, em termos de enxergar um horizonte, as que ainda têm o mar. As populações que flutuam nesses bairros não acreditam mais em nada, além do capital, povoam temporariamente territórios que são úteis na medida em que guardam alguma troca vantajosa, em alguma ocasião, apesar do lixo, do fedor do lixo, do aspecto do lixo, das feições do lixo, do comportamento do lixo, que, para elas, são tanto coisas quanto pessoas, assim como as mercadorias são coisas, mas também podem ser pessoas, assim como as coisas que não têm valor, ainda que sejam pessoas, estão nesse momento deitadas em uma calçada, acompanhadas por um cachorro doente, tendo por horizonte uma miríade de lojas vazias, com letreiros coloridos e portas de ferro. 

quarta-feira, 19 de agosto de 2015

Vida a dois



Os eloquentes discursos dos homens de bem
as pregações estridentes dos homens de deus
e nós, os tolos, os disponíveis
com a impotência na cara

O vermelho das promoções que berram
o azul dos empréstimos imperdíveis
e nós, cansados, endividados
com o hálito de fome

A fumaça preta do ônibus que assusta
o vento cinza dos carros climatizados
e nós, apertados, tuberculosos
com alergia de gente

O brilho de uma pistola de prata
o pisar de um coturno engraxado
e nós, na parede, medrosos
com raiva da noite

A goteira salobra na brasilit
o teu ronco debilitado, cancerígena
e nós, bêbados, ternos
com a vida por um triz

terça-feira, 2 de junho de 2015

De Livia VilaBela,



Esses dias, eu acordei lembrando de uma família que eu gostava muito quando era pequena. Hoje no ônibus encontrei com um deles e soube que a família não está nada bem, e chega me deu um aperto no coração. Desde que eu tenho 1 ano e meio, por aí, eu moro perto do mercado da Encruzilhada. Minha mãe tem um bar por perto e, todo dia, está lá, é bastante conhecida por todos. Minha mãe comprava fruta a uma família cujos membros eram 4 meninos, o pai e a mãe. Eu tinha quase a mesma idade que dois deles, e estes, junto com os outros, eram colocados pra sair vendendo fruta por todo canto. Minha mãe, que embora seja um poço de grosseria, não é sem coração, dizia ao pai deles que ia arrumar um serviço lá pros meninos fazerem, ou que tinha gente querendo fruta pro lado de lá de casa, e deixava os meninos brincando comigo o dia inteiro, só iam embora quando o mercado fechava. O mais velho me levava e me buscava na escola, sempre de bom humor. Os dois com a idade mais próximas da minha, me ensinavam todas as pilantragem de moleque: fazer pipa, jogar bola, um deles desenhava muito bem, um pedia pra eu ensinar ele a melhorar a leitura porque ele achava bonito eu lendo e escrevendo, e o outro era um pouquinho mais velho, fazia mais o papel de cuidar da gente. Até que, um dia, um dos irmãos foi assassinado. Apareceu morto, alguém matou, do nada. Eu só via o mais velho que ia me pegar na escola, agora triste, não sabia me explicar o que tinha acontecido com o irmão. Os dois mais novos pararam de ir lá em casa, o pai deles havia proibido, a família tinha que se unir, com menos um agora, ficava mais difícil trabalhar direito, afinal, um deles tinha lá seus 9 anos, o outro tinha uns 13 e foi convocado pra tomar o lugar do irmão morto, de 16, e o mais velho com 22. Hoje, no ônibus, encontrei o mais velho. Ele me disse que os dois estavam presos por assalto. O mais velho foi criado com mainha desde dos 15 anos, conseguiu ainda fazer uns cursos técnicos, tentar cuidar dos irmãos, que deixaram de estudar pra ajudar ao pai, e que deixaram de frequentar minha a casa também. A cada exemplo desses, eu tenho mais aversão ao povo que chega ao raciocínio da diminuição da maioridade penal ou que bandido bom é bandido morto, porque quem tem o mínimo de contato com gente que vive em situações como essas, sabe que eles nao vivem, eles sobrevivem, e é estranho sim quando um dar certo. O mais velho está trabalhando na fabrica da Vitarella, mas ralou demais pra chegar ali, comeu muita merda, minha mãe o salvou de muita briga com o pai, porque o menino queria ir pra escola ou tinha tarefa pra fazer, e o pai botava pra trabalhar. Gostava de quadrilha também, mas não podia ensaiar porque, além de ser coisa de viado, não ia ter dinheiro pra roupa, nem tempo, nem dinheiro pra ir ensaiar. Eu não consigo entender essa dificuldade pra entender que meritocracia não existe, que eu, Lívia VilaBela, criança da mesma idade do menino, estou numa faculdade e ele tá lá, preso e com muito mais talentos do que eu. E ainda me dizem que as teorias sociais são totalmente a parte da sociedade, que é doutrinação comunista. Pelo amor de Deus, coloquem a mão na consciência, prestem o mínimo de atenção ao seu redor. Está tudo cagado, é a lei do cão, irmãozinho.

sexta-feira, 29 de maio de 2015

Arrebato.



Um dia desses, assisti um filme chamada Arrebato, Espanhol, da década de 70. Um filme é sobre a obsessão em torno dos ritmos, da velocidade, da pausa, dos pontos de fuga, enfim, do arrebatamento nas imagens do cinema. Bom filme. Numa das cenas, o principal obcecado pergunta ao obcecado coadjuvante qual era o seu álbum de figurinhas predileto na infância, ele responde “As Minas do Rei Salomão”. Por puro maquiavelismo, o obcecado principal tem esse álbum e o apresenta ao coadjuvante, emendando a pergunta: por quanto tempo você é capaz de olhar para essa figurinha? Horas, dias, meses? É verdade, eu me lembro de um atlas do Tio Patinhas que eu devo ter folheado umas sessenta mil vezes, cultivando a obsessão pela bandeira dos países, o contorno dos mapas e o nome das capitais. Esse arrebato me levava a outra dimensão, apesar de estar sentado na privada. É nessa fuga dos sentidos que reside o poder da imagem. No entanto, como é difícil ser arrebatado pelas produções geralmente disponíveis ao nosso redor, outra história. Pois bem, fui dormir depois do filme, a mente um tanto “prejudicada” pelas perspectivas oferecidas pelo filme produziu-me um arrebato. Imaginei uma barata escondida na minha roupa, eu senti a barata, eu vi a barata, eu toquei na barata, mas ela não “existia”. Quando um sono profundo e obscuro se abateu, tal qual o oceano cantado por Zé Ramalho, ao meu redor, materializou-se os Xucurus num toré de ritmo alucinante. Depois sonhei com a transmissão televisiva de um trator destruindo a Serra do Ororubá, toda margeada por uma calçada rudimentar, na legenda da transmissão, estava escrito: Structures of Power. Que doidera. Tudo isso, além do gatilho disparado pelo filme, tem a ver com a minha experiência entre os Xucurus, passei por muitos encantamentos na aldeia, religiosos, culturais, políticos e afetivos, ou seja, estive arrebatado durante toda a assembleia. E não foi arte, foi um existir que evidenciava muito de uma sociabilidade e de uma relação com a natureza que nos foi retirada à força. Muito sofri e muito me alegrei quando estive lá, por coisas potentes, incontornáveis. Por que estou escrevendo isso? Estou vivo, não estou só e não estou louco, e essa morbidez dos dias comuns tem antídoto. Uma força criativa reside em nós, somos capazes de sintetizar tudo aquilo que nos penetra em prol da nossa presença diante do mundo. E que devemos abraçar as nossas obsessões, alucinações, devaneios, loucuras, a nossa febre, pois são essas intensidades que pode nos manter vivos.

Eu acredito no desvio.


O Governo do Estado de Pernambuco é uma coleção de mentiras. A suposta capacidade de gestão dos seus agentes públicos não resiste a uma olhada, a uma conversa, a uma reflexão. Apenas uma. Nas eleições passadas, os atuais governantes foram vendidos como uma linhagem, abençoada com o sangue do seu cordeiro sagrado, de artífices de um estado fadado à grandiosidade econômica e política. Uma unidade da federação que seria o berço dos homens e a sede dos seus grandes feitos, e ambos serviriam de referência à construção de uma “Nova Política” nacional, eles, como ninguém, “acreditavam no Brasil”. No entanto, depois de alguns meses, e já desgastado o feitiço de mais um  semideus que ascendeu ao Olimpo dos autocratas nacionais, o que é de verdade? Eu me deparo diariamente com evidências da incompetência e da leviandade dos nossos atuais governantes e sei que são diferentes, distintos, pois são excessivamente pequenos e deslumbrados com a sua pŕopria incapacidade. A pequenez é tanta que chegaram ao cúmulo de culpar “o vandalismo” por uma obra mal realizada e planejada. O Túnel da Abolição inundou por que alguém, na calada da noite, desligou uma bomba de água, tá ligado? Vamos testar... A Cidade da Copa é impossível, acreditamos nela por que alguém, na calada da noite, sabotou os cálculos, algo que nos levou a acreditar na rentabilidade da Arena. Alguém pergunta, mas quanto custou a Arena? Sabíamos, mas alguém, na calada da noite, roubou o valor, não temos mais como saber. É surreal. Lembro de um conto de Saramago em que os objetos de uma cidade começam a desaparecer, a quebrar e a machucar as pessoas, os prédios vem ao chão, as portas fecham na mão das pessoas, os sofás esquentam, entre outros absurdos. O governo responde a essa calamidade colocando o exército na rua, reprimindo e vigiando com rigor os cidadãos. A causa de tal calamidade, a revolta dos objetos, nunca foi respondida, mas isso não impediu que o governo bombardeasse a cidade para salvar o povo das coisas. Na medida em que for ruindo toda essa mentira sobre o desenvolvimento de Pernambuco, e ficar claro o papel negativo que as coisas do governo exercem sobre a vida das pessoas, será que Paulo Câmara vai bombardear a cidade para matar o vândalo? Quem são “o vândalo”? O Movimento Ocupe Estelita, a parte combativa do Sindicato dos Professores, o Sindicato dos Ambulantes? Estejam atentos. É comum se deparar com absurdos, mas encontrar bodes expiatórios é uma necessidade política concreta do Governo, pois a realidade está enfraquecendo o mito. Da próxima vez que um BRT estiver envolvido num acidente, vamos culpar os artistas de rua que distraem os motoristas. Da próxima vez que faltar água, vamos culpar o Ocupe Estelita que suja os lugares que ocupa. Da próxima vez que alguém morrer por conta da superlotação dos coletivos, vamos culpar os professores... Sei lá! Encontraremos um motivo. Da próxima vez que construímos mais um grande empreendimento falido, vamos culpar os ambulantes que evadem as nossas divisas com a venda clandestina dos seus produtos. Penso, logo me arrisco. 


segunda-feira, 27 de abril de 2015

Por Noiada, 

Hoje eu tava no ônibus, e comecei a pensar na conjuntura política do Brasil e catástrofes afins. Daí, de repente, me veio uma frase que antes seria inadmissível de tão clichê: "que país é esse??!". Me veio também um rascunho da pérola "Acorda, Brasil!", mas contive meus pensamentos antes que eles chegassem em "O gigante precisa acordar". Fiquei surpresa e aflita com esse processo mental porque: 1- não costumo encontrar significado em expressões que gente idiota já conseguiu esvaziar de sentido; 2- passei a procurar por aquilo que me levou a preencher de sentido frases quaisquer de tão generalizantes.
É muito triste saber que a frustração é tamanha que se molda a qualquer grito que se pretende revolta. É como se a realidade extrapolasse a fôrma e a forma. Chegou um ponto em mim que não importa se Renato Russo é jegue, se a propaganda da Johnnie Walker é bizarra e foi apropriada de maneira ainda mais bizarra: o que importa é essa sensação de falibilidade, essa sensação de não saber mais onde colocar tanta frustração. Eu fico me crescendo numa cegueira odiosa, ou mais: num ódio cego. Acho que, depois de concluído o download do Novo Recife, da política de "pacificação" do governo federal, da terceirização e da redução da maioridade, vou me tornar um verme abusado, repetindo repetidas repetições, tal como: meu ódio é o melhor de mim.
Uma pessoa importante costuma me dizer que onde não há jardim, as flores nascem de um secreto investimento em formas improváveis. Poderia, por agora, pensar nisso como uma esperança mínima. Mas como é triste apostar naquilo que sabemos improvável. Um atestado de nossa fraqueza inerte. O que resta fazer senão por fogo em tudo, inclusive em mim? O que resta fazer senão extrapolar a estrutura e a metáfora, tornando real o ódio que cresce, por amor, na gente?

quarta-feira, 25 de março de 2015

Apologia à Barata


De Chompski TernoeDuque,

A verdade absoluta e incontestável que absorvemos desde o jardim de infância que prega a superioridade do ser humano por tudo que construímos (destruímos) e por estarmos no topo da cadeia alimentar vai ser posta, agora neste texto, em dúvida e passível de contestação.
A suposta superioridade humana talvez seja explicada pelos antropocêntricos egoístas baseada em explicações científicas que provam a habilidade do nosso cérebro altamente desenvolvido realizar tarefas complexas, pela capacidade de modificar a natureza e manusear armas criadas para assassinatos brutais graças aos tão importantes polegares opositores. Porém, nós do coletivo Gato Dirliptia, colocamos esta certeza secular na berlinda fazendo apologia à barata, aquele inseto asqueroso e repulsivo que vive nos bueiros e nos esgotos, no subterrâneo inóspito, e assustam senhoras e senhores de classe em suas salas de jantar. 
A unidade de medida que coloca o ser humano no alto posto da superioridade das espécies é medida pela capacidade de assassinato que possui e que é visível nas sangrias dos mercados.  Entretanto, contradizendo a certeza, nós abordamos que a superioridade é medida pela resistência à morte, adaptabilidade e, consequentemente, perpetuação da espécie. É certo que o homem (ser) é a espécie mais homicida do planeta e que tem facilidade na prática da subjugação das outras espécies. Porém homicídios e exploração nunca foram qualidades positivas
A barata é extraordinariamente adaptável a qualquer ambiente e nestes pontos básicos (resistência à morte, adaptabilidade e perpetuação da espécie) ela reina. Estes insetos repulsivos podem viver uma semana sem beber água e um mês sem se alimentar; suas habilidades para a sobrevivência são inúmeras. As baratas pouco tiveram variações morfológicas por serem seres de alta capacidade de adaptação às mudanças ambientais, são praticamente idênticas às suas ancestrais. Conseguem resistir ao sistema urbano através de uma série de hábitos que as protegem da hostilidade do homem moderno e seu habitat natural, a cidade. Aproveitam as horas que menos circulam seus principais assassinos, sapatos lustrosos e chinelas sujas enquanto que no período diurno descansam cerca de 75% aproveitando o dia, a luz, a sujeira, as pernas das matronas e as bocas dos beberrões. As baratas urbanas são mais aptas às metrópoles que nós que a criamos.Mas o que mais surpreende é a resistência vinte vezes mais potente à radiação que o homem, seu próprio criador e superior o bastante para aniquilar a sua mesma espécie e crenças diferentes. Não nos matamos por alimento, por superpopulação ou por ausência de território, nos matamos por dinheiro, invenção superior nossa, por crenças, nos matamos pela desigualdade que estamos imersos. Nós nos exploramos. Corte a cabeça de um humano e antes dela cair no chão este mesmo humano, bípede, polegar opositor, crença, cérebro e língua já estará morto. Uma barata se tem sua cabeça cortada consegue lutar contra sua morte inerente durante cinco dias, não é à toa que consiga coexistir no mesmo ambiente que o humano e existir em lugares hostis ao ser superior criador das universidades cheias de antropocentrismos de ismos. Nós fundamos o baratocentrismo! Fazemos apologia à barata. O poder da existência da barata ultrapassa ambientes hostis e nocivos ao homem. A barata descansa 75% do seu dia enquanto o homem levanta às 6 da manhã veste terno, pega ônibus, enfrenta trânsito, leva porrada da polícia, sua, vende cachorro quente, morre de bala perdida, se estressa, trabalha, tem seu tempo roubado, vai à igreja. A barata vive pra vida, o homem pro trabalho, pra exploração. Elas conseguem produzir seu trabalho em menos tempo e, não bastando, seus frutos duram por períodos muito mais longos. Não há revolução industrial que consiga resolver este nosso problema, não há revolução industrial que pare de roubar o nosso tempo.
É claro que as baratas são categorizadas pragas urbanas, estes insetinhos peludinhos são nossos rivais na guerra das espécies, são uma ameaça à humanidade, elas sobem em nossas paredes e nos fazem ter sonhos horríveis. Sendo nossa inimiga ela sobrevive no subterrâneo, nos bueiros e nós córregos das capitais de consumo se alimentando do nosso consumo, do nosso lixo, do que nós achamos que é lixo, do que nós não queremos. As senhoras e senhores de classe odeiam as baratas, no entanto, parecem não terem problemas em alimentá-las.

Sejamos pragas!

quinta-feira, 12 de março de 2015

Cult, distinção que se compra.


As noites recifenses sofrem com a camarotização. Perceba a escalada de bares e festas, dotados de uma suposta cultura alternativa, que cobram uma grana. Pelo quê? Cerveja? Não. Comida? Não. Música? Não. Nem de longe, essas três coisas valem o quê se cobra. Na verdade, paga-se pelo atestado de gente diferenciada - uma vez, eu tive o seguinte sonho: estava na UFPE, percorrendo a burocracia interminável, procurando o burocrata responsável pelo meu atestado de pureza ideológica -, pois ser cult é uma distinção que se compra. Sendo assim, extrapola a mera distinção. É discriminação social. Vamos lá: Qual é a proporção de negr@s nesses espaços? E a de pobres? Mínimas. Será que isso quer dizer algo comprometedor? Claro. Por vezes, eu tenho a impressão de que um dos traços cults mais significativos é a capacidade de ignorar a escrotice dos ambientes em que estão inseridos, a tal da postura blasé. Nesse sentido, a melhor tradução para essa palavra seria DESPREZO. Não adianta, uma burguesia cheia de ressalvas sobre si, mas que só reforça seus privilégios, não é melhor que seus pares. 

  





quarta-feira, 11 de março de 2015

Hoje no ônibus


Hoje no ônibus, eu escutei: Que absurdo é esse?!
Depois dessa explosão, percebi que era um protesto.
Pensei: nada interessa, além da previsibilidade, à maioria que tem pressa.
Surgiu a vontade de dizer ao apressado: Brother, a naturalização do cotidiano é
uma armadilha. 
Isso faria algum sentido? Nenhum, acredito.  
Vejam, a confiança nessas palavras é só uma demonstração da minha fragilidade frente ao está, ao estabelecido, à urgência diária.
E, de qualquer maneira, palavras vêm servindo tão pouco.
No final das contas, permaneceu um pensamento sem freio e sem perspectiva: a torcida fervorosa, ainda que silenciosa, pela proliferação dos transtornos.  
 
Fui seguir com o meu cotidiano.




 

quinta-feira, 8 de janeiro de 2015

Passe Livre?!



 O governador mal assumiu o seu mandato, e já é certa a intervenção do estado para o aumento da passagem. O sentimento de decepção, frustração e/ou traição diante das suas promessas de campanha para o transporte público, que incluíam a manutenção da tarifa e a implementação do bilhete único, não me parecem razoáveis. As campanhas eleitorais estão longe de oferecerem garantias ao eleitor, são campanhas publicitárias, das quais as propostas do programa de governo são meras peças. Seria Paulo Câmara eleito sem a apelação em torno da morte de Eduardo Campos? O fato dessa possibilidade, muitas vezes, ser tida por mais adequada à explicação do mandato já depõe contra a experiência democrática das eleições. A campanha, as promessas e os santinhos artificialmente envelhecidos de Eduardo passaram. A realidade é mais uma manifestação da íntima associação da máfia do transporte com as elites políticas, nesse momento, manifestada em mais um mandato do PSB. Seria Paulo candidato inimigo do Paulo governador? Não me parece, já que a imagem dos candidatos se vinculam à imagem dos mandatários, e esse é um paradigma da relação dos governantes com as populações. O quê me parece, é que vemos os candidatos governarem, pois a ilusão de competência será permanentemente alimentada com o orçamento da publicidade institucional. Vejamos Geraldo Júlio, um dos melhores prefeitos do Brasil; Mendonça Filho, um dos parlamentares mais atuantes do Brasil; Paulo Câmara, vocação de estadista. Na verdade, continuamos sem saber dos meandros das articulações políticas e econômicas necessárias às atividades de governo. Chega. Vamos falar de Passe Livre. Depois das Jornadas de Junho, os estados estão se habituando a absorverem parcialmente as pautas do Movimento Passe Livre, de modo a distorcê-las. Não é uma medida razoável quando o Estado promete implementar “passe livre” para os alunos das escolas estaduais? Ou quando município faz os mesmo com estudantes das escolas municipais? São. No entanto, a perspectiva de passe livre vislumbra a negação de um transporte público simbolizado pela catraca. E o que os estados junto às empresas fazem com as catracas? Aperfeiçoam. Botões, leitores de cartão e até de digital, e isso é só o começo. Enquanto isso, a lógica tarifária, a máfia dos transportes, a exploração dos metroviários, o controle dos fluxos e a humilhação dos passageiros se aprofundam. Passe Livre é uma catraca em chamas, precedido por uma cidade em chamas. Essa política pública está reservada à ação direta e à desobediência civil, antíteses dos slogans institucionais. Por hora, temos que desqualificar as manobras do governo, a reputação dos governantes e testá-los. As Jornadas de luta contra os transportes mal começaram. Abraços, abençoados.

terça-feira, 6 de janeiro de 2015

A primeira plenária do ano


A agenda de protestos, no Recife, se inicia, mais uma vez, com a luta contra as tarifas de ônibus. A falta de uma solução definitiva para o abuso das passagens cobra a sua fatura anualmente. Na maioria das vezes, o aumento é facilmente implementado. Em raríssimas ocasiões, o aumento é barrado ou a tarifa recua. Em 2013, Eduardo Campos aproveitou a vitrine dos protestos e reduziu a passagem. Em 2005, a ação direta dos estudantes secundaristas forçou o seu congelamento. Os fatos e os mitos de 2005 ainda reverberam na velha guarda de indignados, que faz questão de narrá-los para as gerações mais novas. De qualquer forma, os fatos, os mitos, as conjunturas e as perspectivas das lutas contra as passagens sempre se apresentam, sobretudo, envolvidos por cansaço, desesperança e desesperada pulsão, que resulta em cervejas nas madrugadas decadentes do centro e em conversações políticas densas e confusas. Ocasionalmente, em perigosas e desnecessárias exposições diante das câmeras e dos militares. Vamos seguir. A pauta do transporte público é cada vez mais sensível. As manifestações de junho alçaram a bandeira por passe livre, deslocando-a de uma abstração irracional, diante dos dogmas neoliberais, e posicionando-a no âmbito do direito à cidade. O grande mérito da bandeira do passe livre é a capacidade de reunir uma coleção de sofrimentos infrigidos às populações urbanas - os ônibus lotados, os deslocamentos intermináveis, os campos de concentração de integração, a desigualdade entre trabalhadores e patrões, a associação das empresas com as elites políticas, a carrocracia e o controle dos fluxos – ao estabelecimento de uma pauta objetiva, simples e radical. Tal mérito está fundamentado na perspectiva de atuação política permamente, popular e autônoma dos MPL's distribuídos pelo país, e é esse tipo de leitura e atuação política que faltam em Recife. A Frente de Luta pelo Transporte Público, uma conjunção de partidos de esquerda, insiste em se disfarçar de MPL, na estética, nos discursos e na convocação de plenárias abertas, mas é traída pela escassez das aptidões dos seus líderes, de modo geral, versados apenas na retórica, na demagogia e na falsa mobilização dos rebanhos políticos. Não sabem diferenciar passe livre de tarifa zero, falam em não dialogar com o estado – como se soubessem fazer outra coisa - mas condenam os “badernistas”, erram até nos jargões que repetem há vários anos. O apetite deles está voltado para os cargos políticos subalternos, para o prestígio entre os “companheiros”, para o poder miserável de canalizar a revolta para objetivos mesquinhos. Na última plenária, a primeira do ano, o quê se viu foi a formação de um palanque para a televisão com os mesmos líderes das seis, sete ou oito manifestações anteriores contra a passagem, prometendo novamente para as câmeras o que nunca cumpriram. Os partidos de esquerda nutrem uma relação pretensiosa com a história, acham que os seus atos guardam uma relação íntima com o inevitável avanço da humanidade, mas a verdade é que se reveste de glória as velhas e podres fórmulas. A luta contra a tarifa só deixará de ser uma acontecimento insistente quando a sua organização estiver estabilizada em um organismo autônomo, permanente e focado, que desentranhe a tarifa dos nossos rins. Nesse ano, diante da provável repetição de um cenário político falido, torço para que as manifestações saiam do controle, escapem da tutela, sejam descentralizadas, incompreensíveis e aterrorizantes para as leituras viciadas das instituições políticas. Vamos acompanhar.

O primeiro ato será na sexta-feira(09.01), dia em que o “Conselho pra aumentar a tarifa” vai se reunir e aumentar a tarifa, sete e meia da manhã. Amém?

Dois anos da partida de Sama. Onde estiver, saudações!


Panegírico de Sama, o último príncipe africano.

 Eu só quero chocolate

Raimundo Matias é Samambaia. Samambaia é Sama. Sama é saudade. Em Serra Talhada, a elegância e a simpatia geram o último príncipe africano. Uma lenda. Alimenta-se de sol e de água. Um sujeito em forma de planta. Irretocável. Ao nos afastarmos de qualquer temperamento sórdido é que nos aproximamos dele. Sama nunca foi menino, nunca foi Zé. Não é muito de comer. Fica cheio com menos de uma maça. No acampamento, sua comida é queijo do reino. Seu almoço é um pedaço de chocolate. Pingo de Ouro? Nunca ouvu falar. Não bebe, não fuma, paradoxos numa sociedade sórdida, na qual o nosso príncipe seria necessariamente fartura de álcool, de fumo, de comida. Sama nunca foi víscera, permanece fibra.

Isso é jogador, Zé¿!

Sama é Sport. Sama é Balotelli. ?Por que sempre eu¿? A independência e a competência de Balotelli encantam o nosso príncipe. No torneio Jorge Ventura, Sama é do Malinowski HC. É o joga fácil, é o camisa 10. Não sabia joga nada. Entre quedas performáticas, defesas sem explicação e frangueiros memoráveis dava um show. Sem perder a pose, meias e sapatos brilhavam de tão brancos. Samambaia era radical com o alvo. Cansa fácil e joga mal. Mas não importa. Ele sabe que a beleza do futebol não é o desempenho, é a polêmica. Robinho é melhor que Messi! Uma das brabas do Sama. Consegue assim seu objetivo, horas de provocação e galhofa. Cartão vermelho para o tédio.

É o carisma.

O estilo de Sama era absoluto entre tantgos estilos duvidosos. Elegância é coerência. Qual é a coerência do echarpe? Sama. A do óculos torto de lentes verdes? Sama. Dos sapatos pendurados na bolsa? Sama. Do caderno guardado no bolso da bermuda? Sama. Contra a afetação estética ele impõem o carisma. O sorriso é a chave de tudo. Falta o riso dele. Simplicidade e autonomia, elementos raros e eficientes contra os atrasos da vida. Show!!!!

Saudades, medo, saudades, medo, saudades.


(O tempo passou e as circunstâncias da morte de Samambaia nunca foram esclarecidas. A perspectiva inicial de crime racial nunca foi comprovada. A avidez em torno dessa tese, muito por conta dele ser universitário, não se sustentou diante da não-obviedade dos fatos. Foram muitos os boatos, mas apenas boatos. Tal qual a vida de Samambaia, a sua morte permanece um mistério. É possível que agora ele esteja envergando outros trejeitos, pintado com outras cores, inventado outras expressões, e permaneça entre nós, talvez com outro nome, em outro grupo, nos observando de longe)