Cunha é um arrivista que atualmente protagoniza o congresso. No final das contas, sua prática
não difere muito dos outros colegas da bancada conservadora, seja da bala, do
estupro, do agronegócio, dos planos de saúde, do capital financeiro, da internação, ou do extrativismo, em diferentes partidos, situação e posição. Essas bancadas não são homogêneas, produzem diferentes
interesses, no momento, Cunha faz um jogo insustentável, pois usa da
presidência apenas para manter o cargo, provocando e confundindo o governo e os
conservadores mais radicais. Isso desperta a desconfiança de ambos os lados, e
esses malabarismos vão se aproximando do seu limite, deixando de enganarem as
lideranças políticas e ludibriarem a multidão. Qual é o desejo do atual governo?
Ter um congresso estável que receba sem ruído os cortes no orçamento, a
flexibilização das normas que regem a relação entre o capital e o trabalho, ou
entre o capital e os povos tradicionais, ou seja, a cartilha neoliberal. Cunha
barganha com isso, não porque ele discorde, longe disso, mas ele sabe que
dificultar as atividades do governo o torna mais poderoso. Qual é o desejo dos
conservadores mais radicais? A deposição de Dilma, o fim do governo do PT e a
tomada do executivo. Cunha barganha com isso, não porque ele discorde, longe disso,
mas ele sabe que estar à frente desses interesses o torna mais poderoso. Daí
começa a proliferar o número de inimigos dentro e fora do congresso. Como isso
poderia refletir nos movimentos sociais? Na percepção de que o cerco está se
fechando, pois essa batalha em torno de Cunha não traz ganhos para as minorias
sociais, o poder dele advém justamente da mediação que ele faz entre os
interesses conservadores. Quando a sua figura sair de cena, parecerá uma
vitória da esquerda, mas será uma vitória dos carrascos mais comprometidos com as suas próprias ideias, e os projetos conservadores, atualmente na paternidade de Cunha,
também vão encontrar outros pais mais comprometidos, mais crentes na ideologia
perversa que os move. Vale salientar que o lastro desse projetos não é Cunha, são milhões de eleitores, milhares de políticos e centenas de instituições. Infelizmente muitos movimentos sociais se propõem
novamente a defender um governo que os utiliza apenas como bucha de canhão,
porque nem mesmo a bancada governista faz uma oposição explícita ao presidente
do congresso, preferindo articular nos bastidores os seus movimentos de base para
atacá-lo, ainda que, escutá-los seja um aborrecimento. Mas se a ideia do governo para a saída de Cunha é a estabilização do
congresso para a receita neoliberal, que função estaria cumprindo os movimentos
que estão na rua? E depois que Cunha
cair o que acontecerá? No momento, não parece importante. Como ficam os
militantes? Tendem a repetir o mantra dos treze anos do PT: o governo não é homogêneo,
existem setores, avanços, disputas, contradições... Fica a pergunta: o que é
homogêneo na política? Nada. A questão é saber até quando o Executivo será o
dirigente dos grandes movimentos sociais.
sexta-feira, 13 de novembro de 2015
quinta-feira, 12 de novembro de 2015
Seráfico
O sol vai se escondendo atrás de casarios antigos, formando um horizonte temporário por cima de bairros decadentes, arruinados justamente pela falta de horizonte tão habitual às grandes cidades. Estão salvas, em termos de enxergar um horizonte, as que ainda têm o mar. As populações que flutuam nesses bairros não acreditam mais em nada, além do capital, povoam temporariamente territórios que são úteis na medida em que guardam alguma troca vantajosa, em alguma ocasião, apesar do lixo, do fedor do lixo, do aspecto do lixo, das feições do lixo, do comportamento do lixo, que, para elas, são tanto coisas quanto pessoas, assim como as mercadorias são coisas, mas também podem ser pessoas, assim como as coisas que não têm valor, ainda que sejam pessoas, estão nesse momento deitadas em uma calçada, acompanhadas por um cachorro doente, tendo por horizonte uma miríade de lojas vazias, com letreiros coloridos e portas de ferro.
quarta-feira, 19 de agosto de 2015
Vida a dois
Os
eloquentes discursos dos homens de bem
as
pregações estridentes dos homens de deus
e
nós, os tolos, os disponíveis
com
a impotência na cara
O
vermelho das promoções que berram
o
azul dos empréstimos imperdíveis
e
nós, cansados, endividados
com
o hálito de fome
A
fumaça preta do ônibus que assusta
o
vento cinza dos carros climatizados
e
nós, apertados, tuberculosos
com
alergia de gente
O
brilho de uma pistola de prata
o
pisar de um coturno engraxado
e
nós, na parede, medrosos
com raiva da noite
A
goteira salobra na brasilit
o
teu ronco debilitado, cancerígena
e
nós, bêbados, ternos
com
a vida por um triz
terça-feira, 2 de junho de 2015
De Livia VilaBela,
Esses
dias, eu acordei lembrando de uma família que eu gostava muito
quando era pequena. Hoje no ônibus encontrei com um deles e soube
que a família não está nada bem, e chega me deu um aperto no
coração. Desde que eu tenho 1 ano e meio, por aí, eu moro perto do
mercado da Encruzilhada. Minha mãe tem um bar por perto e, todo dia,
está lá, é bastante conhecida por todos. Minha mãe comprava fruta
a
uma
família cujos membros eram 4 meninos, o pai e a mãe. Eu tinha quase
a mesma idade que dois deles, e estes, junto com os outros, eram
colocados pra sair vendendo fruta por todo canto. Minha mãe, que
embora seja um poço de grosseria, não é sem coração, dizia ao
pai deles que ia arrumar um serviço lá pros meninos fazerem, ou que
tinha gente querendo fruta pro lado de lá de casa, e deixava os
meninos brincando comigo o dia inteiro, só iam embora quando o
mercado fechava. O mais velho me levava e me buscava na escola,
sempre de bom humor. Os dois com a idade mais
próximas da minha, me
ensinavam todas as pilantragem de moleque: fazer pipa, jogar bola, um
deles desenhava muito bem, um pedia pra eu ensinar ele a melhorar a
leitura porque ele achava bonito eu lendo e escrevendo, e o outro era
um pouquinho mais velho, fazia mais o papel de cuidar da gente. Até
que, um dia, um dos irmãos foi assassinado. Apareceu morto, alguém
matou, do nada. Eu só via o mais velho que ia me pegar na escola,
agora triste, não sabia me explicar o que tinha acontecido com o
irmão. Os dois mais novos pararam de ir lá em casa, o pai deles
havia proibido, a família
tinha que se unir, com menos um agora, ficava mais difícil
trabalhar direito, afinal, um deles tinha lá seus 9 anos, o outro
tinha uns 13 e foi convocado pra tomar o lugar do irmão morto, de
16, e o mais velho com
22. Hoje, no ônibus,
encontrei o mais velho. Ele me disse que os dois estavam presos por
assalto. O mais velho foi criado com mainha desde
dos 15 anos, conseguiu ainda fazer uns cursos técnicos,
tentar cuidar dos irmãos, que deixaram de estudar pra ajudar ao pai,
e que
deixaram de frequentar minha a
casa também. A cada exemplo desses, eu tenho mais aversão ao povo
que chega ao raciocínio
da diminuição da maioridade penal ou que bandido bom é bandido
morto, porque quem tem o mínimo
de contato com gente que vive em situações como
essas, sabe
que eles nao vivem, eles sobrevivem, e é estranho sim quando um dar
certo. O mais velho está trabalhando na fabrica da Vitarella, mas
ralou demais pra chegar ali, comeu muita merda, minha mãe já
o salvou de muita briga com o pai, porque o menino queria ir pra
escola ou tinha tarefa pra fazer, e o pai botava pra trabalhar.
Gostava de quadrilha também, mas não podia ensaiar porque, além de
ser coisa de viado, não ia ter dinheiro pra roupa, nem tempo, nem
dinheiro pra ir ensaiar. Eu não consigo entender essa dificuldade
pra entender que meritocracia não existe, que eu, Lívia VilaBela,
criança da mesma idade do menino, estou numa faculdade e ele tá lá,
preso e
com muito mais talentos do que eu. E ainda me dizem que as teorias
sociais são totalmente a parte da sociedade, que é doutrinação
comunista. Pelo amor de Deus, coloquem a mão na consciência,
prestem o mínimo
de atenção ao seu redor. Está tudo cagado, é a lei do cão,
irmãozinho.
sexta-feira, 29 de maio de 2015
Arrebato.
Um
dia desses, assisti um filme chamada Arrebato, Espanhol, da década
de 70. Um filme é sobre a obsessão em torno dos ritmos, da
velocidade, da pausa, dos pontos de fuga, enfim, do arrebatamento nas
imagens do cinema. Bom filme. Numa das cenas, o principal obcecado
pergunta ao obcecado coadjuvante qual era o seu álbum de figurinhas
predileto na infância, ele responde “As Minas do Rei Salomão”.
Por puro maquiavelismo, o obcecado principal tem esse álbum e o
apresenta ao coadjuvante, emendando a pergunta: por quanto tempo você
é capaz de olhar para essa figurinha? Horas, dias, meses? É
verdade, eu me lembro de um atlas do Tio Patinhas que eu devo ter
folheado umas sessenta mil vezes, cultivando a obsessão pela
bandeira dos países, o contorno dos mapas e o nome das capitais.
Esse arrebato me levava a outra dimensão, apesar de estar sentado na
privada. É nessa fuga dos sentidos que reside o poder da imagem. No
entanto, como é difícil ser arrebatado pelas produções geralmente
disponíveis ao nosso redor, outra história. Pois bem, fui dormir
depois do filme, a mente um tanto “prejudicada” pelas
perspectivas oferecidas pelo filme produziu-me um arrebato. Imaginei
uma barata escondida na minha roupa, eu senti a barata, eu vi a
barata, eu toquei na barata, mas ela não “existia”. Quando um
sono profundo e obscuro se abateu, tal qual o oceano cantado por Zé
Ramalho, ao meu redor, materializou-se os Xucurus num toré de ritmo
alucinante. Depois sonhei com a transmissão televisiva de um trator
destruindo a Serra do Ororubá, toda margeada por uma calçada
rudimentar, na legenda da transmissão, estava escrito: Structures of
Power. Que doidera. Tudo isso, além do gatilho disparado pelo filme,
tem a ver com a minha experiência entre os Xucurus, passei por
muitos encantamentos na aldeia, religiosos, culturais, políticos e
afetivos, ou seja, estive arrebatado durante toda a assembleia. E não
foi arte, foi um existir que evidenciava muito de uma
sociabilidade e de uma relação com a natureza que nos foi retirada
à força. Muito sofri e muito me alegrei quando estive lá, por
coisas potentes, incontornáveis. Por que estou escrevendo isso?
Estou vivo, não estou só e não estou louco, e essa morbidez dos
dias comuns tem antídoto. Uma força criativa reside em nós, somos
capazes de sintetizar tudo aquilo que nos penetra em prol da nossa
presença diante do mundo. E que devemos abraçar as nossas
obsessões, alucinações, devaneios, loucuras, a nossa febre, pois
são essas intensidades que pode nos manter vivos.
Eu acredito no desvio.
O Governo do Estado de Pernambuco é uma coleção de mentiras. A suposta capacidade de gestão dos seus agentes públicos não resiste a uma olhada, a uma conversa, a uma reflexão. Apenas uma. Nas eleições passadas, os atuais governantes foram vendidos como uma linhagem, abençoada com o sangue do seu cordeiro sagrado, de artífices de um estado fadado à grandiosidade econômica e política. Uma unidade da federação que seria o berço dos homens e a sede dos seus grandes feitos, e ambos serviriam de referência à construção de uma “Nova Política” nacional, eles, como ninguém, “acreditavam no Brasil”. No entanto, depois de alguns meses, e já desgastado o feitiço de mais um semideus que ascendeu ao Olimpo dos autocratas nacionais, o que é de verdade? Eu me deparo diariamente com evidências da incompetência e da leviandade dos nossos atuais governantes e sei que são diferentes, distintos, pois são excessivamente pequenos e deslumbrados com a sua pŕopria incapacidade. A pequenez é tanta que chegaram ao cúmulo de culpar “o vandalismo” por uma obra mal realizada e planejada. O Túnel da Abolição inundou por que alguém, na calada da noite, desligou uma bomba de água, tá ligado? Vamos testar... A Cidade da Copa é impossível, acreditamos nela por que alguém, na calada da noite, sabotou os cálculos, algo que nos levou a acreditar na rentabilidade da Arena. Alguém pergunta, mas quanto custou a Arena? Sabíamos, mas alguém, na calada da noite, roubou o valor, não temos mais como saber. É surreal. Lembro de um conto de Saramago em que os objetos de uma cidade começam a desaparecer, a quebrar e a machucar as pessoas, os prédios vem ao chão, as portas fecham na mão das pessoas, os sofás esquentam, entre outros absurdos. O governo responde a essa calamidade colocando o exército na rua, reprimindo e vigiando com rigor os cidadãos. A causa de tal calamidade, a revolta dos objetos, nunca foi respondida, mas isso não impediu que o governo bombardeasse a cidade para salvar o povo das coisas. Na medida em que for ruindo toda essa mentira sobre o desenvolvimento de Pernambuco, e ficar claro o papel negativo que as coisas do governo exercem sobre a vida das pessoas, será que Paulo Câmara vai bombardear a cidade para matar o vândalo? Quem são “o vândalo”? O Movimento Ocupe Estelita, a parte combativa do Sindicato dos Professores, o Sindicato dos Ambulantes? Estejam atentos. É comum se deparar com absurdos, mas encontrar bodes expiatórios é uma necessidade política concreta do Governo, pois a realidade está enfraquecendo o mito. Da próxima vez que um BRT estiver envolvido num acidente, vamos culpar os artistas de rua que distraem os motoristas. Da próxima vez que faltar água, vamos culpar o Ocupe Estelita que suja os lugares que ocupa. Da próxima vez que alguém morrer por conta da superlotação dos coletivos, vamos culpar os professores... Sei lá! Encontraremos um motivo. Da próxima vez que construímos mais um grande empreendimento falido, vamos culpar os ambulantes que evadem as nossas divisas com a venda clandestina dos seus produtos. Penso, logo me arrisco.
segunda-feira, 27 de abril de 2015
Por Noiada,
Hoje eu tava no ônibus, e comecei a pensar na conjuntura política do
Brasil e catástrofes afins. Daí, de repente, me veio uma frase que antes
seria inadmissível de tão clichê: "que país é esse??!". Me veio também
um rascunho da pérola "Acorda, Brasil!", mas contive meus pensamentos
antes que eles chegassem em "O gigante precisa acordar". Fiquei surpresa
e aflita com esse processo mental porque: 1- não costumo encontrar
significado em expressões que gente idiota já conseguiu esvaziar de sentido; 2- passei a procurar por aquilo que me levou a preencher de sentido frases quaisquer de tão generalizantes.
É muito triste saber que a frustração é tamanha que se molda a
qualquer grito que se pretende revolta. É como se a realidade
extrapolasse a fôrma e a forma. Chegou um ponto em mim que não importa
se Renato Russo é jegue, se a propaganda da Johnnie Walker é bizarra e
foi apropriada de maneira ainda mais bizarra: o que importa é essa
sensação de falibilidade, essa sensação de não saber mais onde colocar
tanta frustração. Eu fico me crescendo numa cegueira odiosa, ou mais:
num ódio cego. Acho que, depois de concluído o download do Novo Recife,
da política de "pacificação" do governo federal, da terceirização e da
redução da maioridade, vou me tornar um verme abusado, repetindo
repetidas repetições, tal como: meu ódio é o melhor de mim.
Uma pessoa importante costuma me dizer que onde não há jardim, as flores nascem de um secreto investimento em formas improváveis. Poderia, por agora, pensar nisso como uma esperança mínima. Mas como é triste apostar naquilo que sabemos improvável. Um atestado de nossa fraqueza inerte. O que resta fazer senão por fogo em tudo, inclusive em mim? O que resta fazer senão extrapolar a estrutura e a metáfora, tornando real o ódio que cresce, por amor, na gente?
Uma pessoa importante costuma me dizer que onde não há jardim, as flores nascem de um secreto investimento em formas improváveis. Poderia, por agora, pensar nisso como uma esperança mínima. Mas como é triste apostar naquilo que sabemos improvável. Um atestado de nossa fraqueza inerte. O que resta fazer senão por fogo em tudo, inclusive em mim? O que resta fazer senão extrapolar a estrutura e a metáfora, tornando real o ódio que cresce, por amor, na gente?
quarta-feira, 25 de março de 2015
Apologia à Barata
De Chompski TernoeDuque,
A verdade absoluta e incontestável que absorvemos desde o jardim de infância que prega a superioridade do ser humano por tudo que construímos (destruímos) e por estarmos no topo da cadeia alimentar vai ser posta, agora neste texto, em dúvida e passível de contestação.
A suposta superioridade humana talvez seja explicada pelos
antropocêntricos egoístas baseada em explicações científicas que
provam a habilidade do nosso cérebro altamente desenvolvido realizar
tarefas complexas, pela capacidade de modificar a natureza e manusear
armas criadas para assassinatos brutais graças aos tão importantes
polegares opositores. Porém, nós do coletivo Gato Dirliptia,
colocamos esta certeza secular na berlinda fazendo apologia à
barata, aquele inseto asqueroso e repulsivo que vive nos bueiros e
nos esgotos, no subterrâneo inóspito, e assustam senhoras e
senhores de classe em suas salas de jantar.
A unidade de medida que coloca o ser humano no alto posto da
superioridade das espécies é medida pela capacidade de assassinato
que possui e que é visível nas sangrias dos mercados.
Entretanto, contradizendo a certeza, nós abordamos que a
superioridade é medida pela resistência à morte, adaptabilidade e,
consequentemente, perpetuação da espécie. É certo que o homem
(ser) é a espécie mais homicida do planeta e que tem facilidade na
prática da subjugação das outras espécies. Porém homicídios e
exploração nunca foram qualidades positivas
A barata é extraordinariamente adaptável a qualquer ambiente e
nestes pontos básicos (resistência à morte, adaptabilidade e
perpetuação da espécie) ela reina. Estes insetos repulsivos podem
viver uma semana sem beber água e um mês sem se alimentar; suas
habilidades para a sobrevivência são inúmeras. As baratas pouco
tiveram variações morfológicas por serem seres de alta capacidade
de adaptação às mudanças ambientais, são praticamente idênticas
às suas ancestrais. Conseguem resistir ao sistema urbano através de
uma série de hábitos que as protegem da hostilidade do homem
moderno e seu habitat natural, a cidade. Aproveitam as horas que
menos circulam seus principais assassinos, sapatos lustrosos e
chinelas sujas enquanto que no período diurno descansam cerca de 75%
aproveitando o dia, a luz, a sujeira, as pernas das matronas e as
bocas dos beberrões. As baratas urbanas são mais aptas às
metrópoles que nós que a criamos.Mas o que mais surpreende é a resistência vinte vezes mais potente
à radiação que o homem, seu próprio criador e superior o bastante
para aniquilar a sua mesma espécie e crenças diferentes. Não nos
matamos por alimento, por superpopulação ou por ausência de
território, nos matamos por dinheiro, invenção superior nossa, por
crenças, nos matamos pela desigualdade que estamos imersos. Nós nos
exploramos. Corte a cabeça de um humano e antes dela cair no chão
este mesmo humano, bípede, polegar opositor, crença, cérebro e
língua já estará morto. Uma barata se tem sua cabeça cortada
consegue lutar contra sua morte inerente durante cinco dias, não é
à toa que consiga coexistir no mesmo ambiente que o humano e existir
em lugares hostis ao ser superior criador das universidades cheias de
antropocentrismos de ismos. Nós fundamos o baratocentrismo! Fazemos
apologia à barata. O poder da existência da barata ultrapassa
ambientes hostis e nocivos ao homem. A barata descansa 75% do seu dia
enquanto o homem levanta às 6 da manhã veste terno, pega ônibus,
enfrenta trânsito, leva porrada da polícia, sua, vende cachorro
quente, morre de bala perdida, se estressa, trabalha, tem seu tempo
roubado, vai à igreja. A barata vive pra vida, o homem pro trabalho,
pra exploração. Elas conseguem produzir seu trabalho em menos tempo
e, não bastando, seus frutos duram por períodos muito mais longos.
Não há revolução industrial que consiga resolver este nosso
problema, não há revolução industrial que pare de roubar o nosso
tempo.
É claro que as baratas são categorizadas pragas urbanas, estes
insetinhos peludinhos são nossos rivais na guerra das espécies, são
uma ameaça à humanidade, elas sobem em nossas paredes e nos fazem
ter sonhos horríveis. Sendo nossa inimiga ela sobrevive no
subterrâneo, nos bueiros e nós córregos das capitais de consumo se
alimentando do nosso consumo, do nosso lixo, do que nós achamos que
é lixo, do que nós não queremos. As senhoras e senhores de classe
odeiam as baratas, no entanto, parecem não terem problemas em
alimentá-las.
Sejamos pragas!
quinta-feira, 12 de março de 2015
Cult, distinção que se compra.
As noites recifenses sofrem com a camarotização. Perceba a escalada de bares e festas, dotados de uma suposta cultura alternativa, que cobram uma grana. Pelo quê? Cerveja? Não. Comida? Não. Música? Não. Nem de longe, essas três coisas valem o quê se cobra. Na verdade, paga-se pelo atestado de gente diferenciada - uma vez, eu tive o seguinte sonho: estava na UFPE, percorrendo a burocracia interminável, procurando o burocrata responsável pelo meu atestado de pureza ideológica -, pois ser cult é uma distinção que se compra. Sendo assim, extrapola a mera distinção. É discriminação social. Vamos lá: Qual é a proporção de negr@s nesses espaços? E a de pobres? Mínimas. Será que isso quer dizer algo comprometedor? Claro. Por vezes, eu tenho a impressão de que um dos traços cults mais significativos é a capacidade de ignorar a escrotice dos ambientes em que estão inseridos, a tal da postura blasé. Nesse sentido, a melhor tradução para essa palavra seria DESPREZO. Não adianta, uma burguesia cheia de ressalvas sobre si, mas que só reforça seus privilégios, não é melhor que seus pares.
quarta-feira, 11 de março de 2015
Hoje no ônibus
Hoje no ônibus, eu escutei: Que absurdo é esse?!
Depois dessa explosão, percebi que era um protesto.
Pensei: nada interessa, além da previsibilidade, à maioria que tem pressa.
Depois dessa explosão, percebi que era um protesto.
Pensei: nada interessa, além da previsibilidade, à maioria que tem pressa.
Surgiu a vontade de dizer ao apressado: Brother, a naturalização do cotidiano é
uma armadilha.
uma armadilha.
Isso faria algum sentido? Nenhum, acredito.
Vejam, a confiança nessas palavras é só uma demonstração da minha fragilidade frente ao está, ao estabelecido, à urgência diária.
E, de qualquer maneira, palavras vêm servindo tão pouco.
No final das contas, permaneceu um pensamento sem freio e sem perspectiva: a torcida fervorosa, ainda que silenciosa, pela proliferação dos transtornos.
Fui seguir com o meu cotidiano.quinta-feira, 8 de janeiro de 2015
Passe Livre?!
O
governador mal assumiu o seu mandato, e já é certa a intervenção
do estado para o aumento da passagem. O sentimento de decepção,
frustração e/ou traição diante das suas promessas de campanha
para o transporte público, que incluíam a manutenção da tarifa e
a implementação do bilhete único, não me parecem razoáveis. As
campanhas eleitorais estão longe de oferecerem garantias ao eleitor,
são campanhas publicitárias, das quais as propostas do programa de
governo são meras peças. Seria Paulo Câmara eleito sem a apelação
em torno da morte de Eduardo Campos? O fato dessa possibilidade,
muitas vezes, ser tida por mais adequada à explicação do mandato já depõe contra a experiência democrática das
eleições. A campanha, as promessas e os santinhos artificialmente
envelhecidos de Eduardo passaram. A realidade é mais uma
manifestação da íntima associação da máfia do transporte com as
elites políticas, nesse momento, manifestada em mais um mandato do
PSB. Seria Paulo candidato inimigo do Paulo governador? Não me
parece, já que a imagem dos candidatos se vinculam à imagem dos
mandatários, e esse é um paradigma da relação dos governantes com as
populações. O quê me parece, é que vemos os candidatos
governarem, pois a ilusão de competência será permanentemente
alimentada com o orçamento da publicidade institucional. Vejamos
Geraldo Júlio, um dos melhores prefeitos do Brasil; Mendonça Filho,
um dos parlamentares mais atuantes do Brasil; Paulo Câmara, vocação
de estadista. Na verdade, continuamos sem saber dos meandros das
articulações políticas e econômicas necessárias às atividades
de governo. Chega. Vamos falar de Passe Livre. Depois das Jornadas de
Junho, os estados estão se habituando a absorverem parcialmente as
pautas do Movimento Passe Livre, de modo a distorcê-las. Não é uma
medida razoável quando o Estado promete implementar “passe livre”
para os alunos das escolas estaduais? Ou quando município faz os
mesmo com estudantes das escolas municipais? São. No entanto, a
perspectiva de passe livre vislumbra a negação de um transporte
público simbolizado pela catraca. E o que os estados junto às
empresas fazem com as catracas? Aperfeiçoam. Botões, leitores de
cartão e até de digital, e isso é só o começo. Enquanto isso, a
lógica tarifária, a máfia dos transportes, a exploração dos
metroviários, o controle dos fluxos e a humilhação dos passageiros se aprofundam. Passe Livre é uma catraca em chamas, precedido por uma
cidade em chamas. Essa política pública está reservada à ação
direta e à desobediência civil, antíteses dos slogans
institucionais. Por hora, temos que desqualificar as manobras do
governo, a reputação dos governantes e testá-los. As Jornadas de luta contra os
transportes mal começaram. Abraços, abençoados.
terça-feira, 6 de janeiro de 2015
A primeira plenária do ano
A
agenda de protestos, no Recife, se inicia, mais uma vez, com a luta
contra as tarifas de ônibus. A falta de uma solução definitiva
para o abuso das passagens cobra a sua fatura anualmente. Na maioria
das vezes, o aumento é facilmente implementado. Em raríssimas
ocasiões, o aumento é barrado ou a tarifa recua. Em 2013, Eduardo
Campos aproveitou a vitrine dos protestos e reduziu a passagem. Em
2005, a ação direta dos estudantes secundaristas forçou o seu
congelamento. Os fatos e os mitos de 2005 ainda reverberam na velha
guarda de indignados, que faz questão de narrá-los para as gerações
mais novas. De qualquer forma, os fatos, os mitos, as conjunturas e
as perspectivas das lutas contra as passagens sempre se apresentam,
sobretudo, envolvidos por cansaço, desesperança e desesperada
pulsão, que resulta em cervejas nas madrugadas decadentes do centro
e em conversações políticas densas e confusas. Ocasionalmente, em
perigosas e desnecessárias exposições diante das câmeras e dos
militares. Vamos seguir. A pauta do transporte público é cada vez
mais sensível. As manifestações de junho alçaram a bandeira por
passe livre, deslocando-a de uma abstração irracional, diante dos
dogmas neoliberais, e posicionando-a no âmbito do direito à cidade.
O grande mérito da bandeira do passe livre é a capacidade de reunir
uma coleção de sofrimentos infrigidos às populações urbanas - os
ônibus lotados, os deslocamentos intermináveis, os campos de
concentração de integração, a desigualdade entre trabalhadores e
patrões, a associação das empresas com as elites políticas, a
carrocracia e o controle dos fluxos – ao estabelecimento de uma
pauta objetiva, simples e radical. Tal mérito está fundamentado na
perspectiva de atuação política permamente, popular e autônoma
dos MPL's distribuídos pelo país, e é esse tipo de leitura e
atuação política que faltam em Recife. A Frente de Luta pelo
Transporte Público, uma conjunção de partidos de esquerda, insiste
em se disfarçar de MPL, na estética, nos discursos e na convocação
de plenárias abertas, mas é traída pela escassez das aptidões dos
seus líderes, de modo geral, versados apenas na retórica, na
demagogia e na falsa mobilização dos rebanhos políticos. Não
sabem diferenciar passe livre de tarifa zero, falam em não dialogar
com o estado – como se soubessem fazer outra coisa - mas condenam
os “badernistas”, erram até nos jargões que repetem há vários
anos. O apetite deles está voltado para os cargos políticos
subalternos, para o prestígio entre os “companheiros”, para o
poder miserável de canalizar a revolta para objetivos mesquinhos. Na
última plenária, a primeira do ano, o quê se viu foi a formação
de um palanque para a televisão com os mesmos líderes das seis,
sete ou oito manifestações anteriores contra a passagem, prometendo
novamente para as câmeras o que nunca cumpriram. Os partidos de
esquerda nutrem uma relação pretensiosa com a história, acham que
os seus atos guardam uma relação íntima com o inevitável avanço
da humanidade, mas a verdade é que se reveste de glória as velhas
e podres fórmulas. A luta contra a tarifa só deixará de ser uma
acontecimento insistente quando a sua organização estiver
estabilizada em um organismo autônomo, permanente e focado, que
desentranhe a tarifa dos nossos rins. Nesse ano, diante da provável
repetição de um cenário político falido, torço para que as
manifestações saiam do controle, escapem da tutela, sejam
descentralizadas, incompreensíveis e aterrorizantes para as leituras
viciadas das instituições políticas. Vamos acompanhar.
O
primeiro ato será na sexta-feira(09.01), dia em que o “Conselho
pra aumentar a tarifa” vai se reunir e aumentar a tarifa, sete e
meia da manhã. Amém?
Dois anos da partida de Sama. Onde estiver, saudações!
Panegírico de Sama, o último príncipe africano.
Eu só quero chocolate
Raimundo Matias é Samambaia. Samambaia é Sama. Sama é saudade. Em Serra Talhada, a elegância e a simpatia geram o último príncipe africano. Uma lenda. Alimenta-se de sol e de água. Um sujeito em forma de planta. Irretocável. Ao nos afastarmos de qualquer temperamento sórdido é que nos aproximamos dele. Sama nunca foi menino, nunca foi Zé. Não é muito de comer. Fica cheio com menos de uma maça. No acampamento, sua comida é queijo do reino. Seu almoço é um pedaço de chocolate. Pingo de Ouro? Nunca ouvu falar. Não bebe, não fuma, paradoxos numa sociedade sórdida, na qual o nosso príncipe seria necessariamente fartura de álcool, de fumo, de comida. Sama nunca foi víscera, permanece fibra.
Isso é jogador, Zé¿!
Sama é Sport. Sama é Balotelli. ?Por que sempre eu¿? A independência e a competência de Balotelli encantam o nosso príncipe. No torneio Jorge Ventura, Sama é do Malinowski HC. É o joga fácil, é o camisa 10. Não sabia joga nada. Entre quedas performáticas, defesas sem explicação e frangueiros memoráveis dava um show. Sem perder a pose, meias e sapatos brilhavam de tão brancos. Samambaia era radical com o alvo. Cansa fácil e joga mal. Mas não importa. Ele sabe que a beleza do futebol não é o desempenho, é a polêmica. Robinho é melhor que Messi! Uma das brabas do Sama. Consegue assim seu objetivo, horas de provocação e galhofa. Cartão vermelho para o tédio.
É o carisma.
O estilo de Sama era absoluto entre tantgos estilos duvidosos. Elegância é coerência. Qual é a coerência do echarpe? Sama. A do óculos torto de lentes verdes? Sama. Dos sapatos pendurados na bolsa? Sama. Do caderno guardado no bolso da bermuda? Sama. Contra a afetação estética ele impõem o carisma. O sorriso é a chave de tudo. Falta o riso dele. Simplicidade e autonomia, elementos raros e eficientes contra os atrasos da vida. Show!!!!
Saudades, medo, saudades, medo, saudades.
(O tempo passou e as circunstâncias da morte de Samambaia nunca foram esclarecidas. A perspectiva inicial de crime racial nunca foi comprovada. A avidez em torno dessa tese, muito por conta dele ser universitário, não se sustentou diante da não-obviedade dos fatos. Foram muitos os boatos, mas apenas boatos. Tal qual a vida de Samambaia, a sua morte permanece um mistério. É possível que agora ele esteja envergando outros trejeitos, pintado com outras cores, inventado outras expressões, e permaneça entre nós, talvez com outro nome, em outro grupo, nos observando de longe)
(O tempo passou e as circunstâncias da morte de Samambaia nunca foram esclarecidas. A perspectiva inicial de crime racial nunca foi comprovada. A avidez em torno dessa tese, muito por conta dele ser universitário, não se sustentou diante da não-obviedade dos fatos. Foram muitos os boatos, mas apenas boatos. Tal qual a vida de Samambaia, a sua morte permanece um mistério. É possível que agora ele esteja envergando outros trejeitos, pintado com outras cores, inventado outras expressões, e permaneça entre nós, talvez com outro nome, em outro grupo, nos observando de longe)
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