sexta-feira, 29 de maio de 2015

Arrebato.



Um dia desses, assisti um filme chamada Arrebato, Espanhol, da década de 70. Um filme é sobre a obsessão em torno dos ritmos, da velocidade, da pausa, dos pontos de fuga, enfim, do arrebatamento nas imagens do cinema. Bom filme. Numa das cenas, o principal obcecado pergunta ao obcecado coadjuvante qual era o seu álbum de figurinhas predileto na infância, ele responde “As Minas do Rei Salomão”. Por puro maquiavelismo, o obcecado principal tem esse álbum e o apresenta ao coadjuvante, emendando a pergunta: por quanto tempo você é capaz de olhar para essa figurinha? Horas, dias, meses? É verdade, eu me lembro de um atlas do Tio Patinhas que eu devo ter folheado umas sessenta mil vezes, cultivando a obsessão pela bandeira dos países, o contorno dos mapas e o nome das capitais. Esse arrebato me levava a outra dimensão, apesar de estar sentado na privada. É nessa fuga dos sentidos que reside o poder da imagem. No entanto, como é difícil ser arrebatado pelas produções geralmente disponíveis ao nosso redor, outra história. Pois bem, fui dormir depois do filme, a mente um tanto “prejudicada” pelas perspectivas oferecidas pelo filme produziu-me um arrebato. Imaginei uma barata escondida na minha roupa, eu senti a barata, eu vi a barata, eu toquei na barata, mas ela não “existia”. Quando um sono profundo e obscuro se abateu, tal qual o oceano cantado por Zé Ramalho, ao meu redor, materializou-se os Xucurus num toré de ritmo alucinante. Depois sonhei com a transmissão televisiva de um trator destruindo a Serra do Ororubá, toda margeada por uma calçada rudimentar, na legenda da transmissão, estava escrito: Structures of Power. Que doidera. Tudo isso, além do gatilho disparado pelo filme, tem a ver com a minha experiência entre os Xucurus, passei por muitos encantamentos na aldeia, religiosos, culturais, políticos e afetivos, ou seja, estive arrebatado durante toda a assembleia. E não foi arte, foi um existir que evidenciava muito de uma sociabilidade e de uma relação com a natureza que nos foi retirada à força. Muito sofri e muito me alegrei quando estive lá, por coisas potentes, incontornáveis. Por que estou escrevendo isso? Estou vivo, não estou só e não estou louco, e essa morbidez dos dias comuns tem antídoto. Uma força criativa reside em nós, somos capazes de sintetizar tudo aquilo que nos penetra em prol da nossa presença diante do mundo. E que devemos abraçar as nossas obsessões, alucinações, devaneios, loucuras, a nossa febre, pois são essas intensidades que pode nos manter vivos.

Eu acredito no desvio.


O Governo do Estado de Pernambuco é uma coleção de mentiras. A suposta capacidade de gestão dos seus agentes públicos não resiste a uma olhada, a uma conversa, a uma reflexão. Apenas uma. Nas eleições passadas, os atuais governantes foram vendidos como uma linhagem, abençoada com o sangue do seu cordeiro sagrado, de artífices de um estado fadado à grandiosidade econômica e política. Uma unidade da federação que seria o berço dos homens e a sede dos seus grandes feitos, e ambos serviriam de referência à construção de uma “Nova Política” nacional, eles, como ninguém, “acreditavam no Brasil”. No entanto, depois de alguns meses, e já desgastado o feitiço de mais um  semideus que ascendeu ao Olimpo dos autocratas nacionais, o que é de verdade? Eu me deparo diariamente com evidências da incompetência e da leviandade dos nossos atuais governantes e sei que são diferentes, distintos, pois são excessivamente pequenos e deslumbrados com a sua pŕopria incapacidade. A pequenez é tanta que chegaram ao cúmulo de culpar “o vandalismo” por uma obra mal realizada e planejada. O Túnel da Abolição inundou por que alguém, na calada da noite, desligou uma bomba de água, tá ligado? Vamos testar... A Cidade da Copa é impossível, acreditamos nela por que alguém, na calada da noite, sabotou os cálculos, algo que nos levou a acreditar na rentabilidade da Arena. Alguém pergunta, mas quanto custou a Arena? Sabíamos, mas alguém, na calada da noite, roubou o valor, não temos mais como saber. É surreal. Lembro de um conto de Saramago em que os objetos de uma cidade começam a desaparecer, a quebrar e a machucar as pessoas, os prédios vem ao chão, as portas fecham na mão das pessoas, os sofás esquentam, entre outros absurdos. O governo responde a essa calamidade colocando o exército na rua, reprimindo e vigiando com rigor os cidadãos. A causa de tal calamidade, a revolta dos objetos, nunca foi respondida, mas isso não impediu que o governo bombardeasse a cidade para salvar o povo das coisas. Na medida em que for ruindo toda essa mentira sobre o desenvolvimento de Pernambuco, e ficar claro o papel negativo que as coisas do governo exercem sobre a vida das pessoas, será que Paulo Câmara vai bombardear a cidade para matar o vândalo? Quem são “o vândalo”? O Movimento Ocupe Estelita, a parte combativa do Sindicato dos Professores, o Sindicato dos Ambulantes? Estejam atentos. É comum se deparar com absurdos, mas encontrar bodes expiatórios é uma necessidade política concreta do Governo, pois a realidade está enfraquecendo o mito. Da próxima vez que um BRT estiver envolvido num acidente, vamos culpar os artistas de rua que distraem os motoristas. Da próxima vez que faltar água, vamos culpar o Ocupe Estelita que suja os lugares que ocupa. Da próxima vez que alguém morrer por conta da superlotação dos coletivos, vamos culpar os professores... Sei lá! Encontraremos um motivo. Da próxima vez que construímos mais um grande empreendimento falido, vamos culpar os ambulantes que evadem as nossas divisas com a venda clandestina dos seus produtos. Penso, logo me arrisco.